domingo, 11 de maio de 2008

Uma "Função" e a sua ementa

Participantes do II Simpósio das Confrarias Báquicas e Gastronómicas de Portugal
numa "Função" e... uma alcatra para a mesa.


Segundo Frederico Lopes (João ilhéu), chama-se "Função" ao conjunto de actos que é obrigado a praticar todo aquele que festeja o Espírito Santo, mas designa especialmente o jantar que o imperador oferece aos convidados no domingo em que se realiza a coroação.
Antigamente era sempre servido com um ritual apropriado, sob as ordens dos foliões que presidiam à cerimónia ocupando a cabeceira fronteira àquela em que se sentava o imperador e a "senhora imperatriz" sua mulher, e nada se fazia ou servia sem eles mandarem, desde o pôr da mesa à distribuição dos lugares, o servir dos pratos e do vinho, até ao "brindar a mesa" que consistia em fazer passar por todos os comensais um prato tendo ao centro um copo de vinho que cada qual bebia, fazendo uma saúde ou brinde aos donos da casa e deitando no prato uma moeda que era a "esmola dos foliões".
A ementa de uma "função", refere Frederico Lopes é assim constituída:

«Sopa do Espírito Santo» - É feita com caldo de carne, temperado com sal, louro, hortelã, pau de cravo, pimenta e molho de alcatra. Leva pão (pão de água) cortado à faca em grossos nacos, e algumas folhas de repolho. É cozinhada em grandes caldeirões, ao ar livre, sobre trempes de ferro ou simples pedras, dispostas de modo conveniente junto a uma parede para desviar o lume do vento. serve-se em grandes tigelas de louça de barro.

«Cozido» - Grandes postas de carne de vaca, galinha(uma para cada panelão), sangue, fígado, toucinho, repolho aos quartos e por vezes batatas.

«Alcatra» - A carne escolhida, é passada com sal e vinho branco que se deita num alguidar especial, em barro cozido, chamado "alguidar da alcatra", temperada com toucinho defumado às tiras, gordura (banha de porco), cebola, alho, pimenta e baga de cravo, indo ao forno a cozer. serve-se no próprio alguidar.

«Pão de mesa» - É de grande formato, feito de farinha de trigo e preparado com leite, Acompanha o cozido e a alcatra.

«Pão de água»- Destina-se especialmente à sopa. Coze-se alguns dias antes de servir para ficar duro, e "acama-se" nas tigelas para receber bem o caldo.

«Pão doce» - Prepara-se com leite, ovos, açúcar e um pouco de banha de porco, ou manteiga. É muito apreciado para acompanhar a alcatra.

«;Massa Sovada» (1) - Feita com farinha de trigo escolhida, leva leite, açúcar, ovos, banha e manteiga, adicionando-se-lhe por vezes "erva de Nª Sª" que lhe dá aroma e sabor característicos. Quando lhe dão a forma de uma argola, com espessura, que varia entre 6 a 10 centímetro, chamam-lhe "rosquilhas". Há -as de grandes dimensões, com cerca de 50 centímetros de diâmetro. Normalmente leva meio alqueire de farinha.

«Vinho de Cheiro» - vinho feito de uvas da casta "Isabella", é fortemente aromático donde lhe vem o nome. Servem-se em canjirões.

Nos jantares dos imperadores mais abastados, servem-se ainda carne assada e arroz doce. também usam confeitos.
(1) No seu "Vocábulo Regional", F.S. de Lacerda Machado prefere a forma "cevada", por vir de "cevar" que na Beira baixa significa amassar com manteiga.


Deve ser massa CEVADA e não sovada, que é forma introduzida por hipercorrecção linguística por quem ignorava estar correctíssima a designação popular massa sovada,  por igualmente desconhecer que «cevar» significa «engordar» e, que, no caso particular da massa, significa «enriquecer com CEVAS de manteiga». 

Marcolino Candeias


No Frederico Lopes (João Ilhéu)- Ilha Terceira Notas Etnográficas . Instituto Histórico da ilha terceira. Angra do Heroísmo ano 1980 páginas 229 a 231.

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