sábado, 4 de outubro de 2008

"Rememorando as origens dos Biscoitos nos séculos XV e XVI" (6)


* Rute Dias Gregório

(Conclusão)

O resultado natural de todo este esforço e iniciativa Frutuoso regista, em finais do século XVI, naquela feliz imagem do famoso biscoito de Pero Anes do Canto: é ele constituído (dizia o cronista) por “uma légua de comprido pela costa do mar e meia légua de largo do mar à serra, tudo prantado de vinhas e grandes pomares, a mais fresca coisa neste género que há em toda a ilha, onde se dá infinidade de vinhas”(19).

Para mais, também é por estes lados, em bandas que então se designavam por Altares, mas nos ditos Biscoitos da Casa da Salga, que ocorrem algumas das dadas em sesmaria mais originais documentadas para a Terceira. Foram elas feitas em Dezembro de 1503, a João Ornelas da Câmara, almoxarife da Praia, a Félix Fernandes, primo do anterior e a Vasco de Borba. Para além das obrigações e dos termos habituais das dadas de terra, estas escrituras determinam o plantio de árvores de fruto em consociação com a vinha, chegando-se ao ponto de arrolar os pés de cultivo, que no global das 3 dadas implicavam 960 bacelos, 190 amoreiras, 90 marmeleiros, 60 pessegueiros e 30 figueiras (20).

Mas a história da vinha e do vinho destes lugares não ficava, como não ficou, por aqui. Está no entanto ainda por escrever, na profundidade e no rigor que nos habituámos a cultivar. Para mais, a vinha e o vinho de hoje terão acrescidas coisas para dizer e, nesta última história, encontrarão em muitos de vós mais para contar do que em mim.

Para suscitar o interesse, deixarei apenas aqui inscrita alguma da utensilagem constante de um rol de Pero Anes do Canto, de 1512, composta por 12 machados, 1 barra, 3 cunhas (21), a par dos muitos alviões e cestos que outros inventários terceirenses do século XVI compulsam(22) .

Curiosamente, aprendi com quem sabe, são estes praticamente todos os instrumentos utilizados nas viradas ou surribas (apenas não registo as correntes). Se os utensílios, associados aos alferces, picões e marrões para partir e fender a pedra, já os homens possuíam neste espaço desde as primícias, o talento e a inventiva que criaram estes solos [que por volta de 1590 deixaram tão espantado o holandês Linschoteen (23), (o talento e a inventiva, dizia)] não teriam tardado muito a surgir. E de certeza que mais do que castas e qualidades do precioso néctar, o que nos une aos primeiros Biscoitos, os dos séculos XV e XVI, é exactamente este esforço hercúleo que ali se inicia e atravessou muitas e muitas gerações, na construção de uma paisagem identitária em volta da vinha e do vinho.

* Aqui

Biscoitos, 5 de Setembro de 2008

21 Rute Dias Gregório- Pero Anes do Canto..., pp. 199-201.
22
23 Rute Dias Gregório- Uma exploração agro-pecuária..., p.46.

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