terça-feira, 9 de agosto de 2011

Acerca do vinho

Por: Francisco Maduro-Dias*

Vamos a ver se nos entendemos de uma vez por todas! O vinho de cheiro não é nem antigo nem tradicional nos Açores.

Pode ser conhecido agora como o vinho das Funções e do Espírito Santo, mas durante séculos – nada que se compare com os apenas 150 anos que o de cheiro tem entre nós – os vinhos das funções foram outros, como por exemplo o verdelho ou o terrantêz nomeadamente dos Biscoitos, da Graciosa e do Pico.

Antes de serem feitas com vinho de cheiro as alcatras terão sido feitas com vinho branco, pois só esse existia (já a experimentem e vejam a diferença e como fica mais leve). Não é também de agora que se sabe serem as ilhas pouco propicias ao vinho tinto. Daí que, desde o início de presença humana nestas ilhas, aquando se ouve falar de vinho com alguma qualidade é de uma casta branca.

Dizer que o vinho de cheiro é “nosso”, é tradicional, é uma herança a proteger, etc. etc., é atirar às urtigas, séculos de saber cultivar, séculos de trabalho e de ciência vitivinícola, séculos de história e de património cultural, apenas para proteger alguns interesses instalados.

É certo que o vinho de cheiro também já tem a sua história nos Açores. Ou bem ou mal sempre são já uns cento e cinquenta anos de vida aqui.

Porém, mesmo sem pensar na questão da malvina (que uns dizem que tem e faz mal, e outros dizem que não tem ou não faz mal) temos de convir que é fraco concorrente se pondo em comparação com todos os outros, desde logo em graduação.

Mais do que tudo isto porém, o que nos deve preocupar é o facto de estarem a tentar subverter o que é tradição, cultura, herança identitária – a base de um uso dos elementos de sustentação do turismo cultural que queremos - em favor dessa ideia peregrina  que é dizer que o vinho de cheiro é uma tradição essencial que interessa salvaguardar dos senhores de Bruxelas. Porque não é!

Nem as curraletas dos Biscoitos foram feitas para vinho de cheiro, nem os patamares de S. Lourenço em Santa Maria, nem os currais da Graciosa ou do Pico. As pessoas aproveitaram, isso sim, técnicas e lugares antigos para implantarem a vinha nova que parecia resistirem às novas pragas.

Por muito que se goste do vinho de cheiro, o nosso caminho como terra com regiões produtoras é outro. Tem de ser outro!

Não inventando mentiras acerca da tradição e procurando a qualidade.

* In “Vela de Estai” do Diário Insular de 18 de Agosto de 2003



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