quarta-feira, 18 de abril de 2012

ERMIDAS UM PATRIMÓNIO LOCAL NOTAVEL QUE URGE SALVAGUARDAR E PARTILHAR COM COERÊNCIA NA ACÇÃO: dois bons e dois maus exemplos para ajudar à mudança na atitude









Victor Cardoso*


 Parte 1

A 18 de Abril, assinala-se o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, tendo este ano como reflexão central – Do Património Mundial ao Património Local: proteger e gerir a mudança. O grande designo desta celebração é sem dúvidas o de alertar e sensibilizar consciências, dos cidadãos, independentemente das suas qualificações individuais, de modo a que tomem a peito, o quanto é importante a temática relacionada com o património cultural, parametrizado no binómio diversidade e sua vulnerabilidade – nomeadamente a fragilidade, com que muitas vezes se vê confrontado, quando, tenha que medir forças com interesses económicos instalados, daí que devam ser valorizadas e defendidas as entidades que assumiram essa epopeia no domínio da sua salvaguarda.



Sobre a responsabilidade do ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), reforçado com o facto de se comemorar também o 40º aniversário da Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural da UNESCO, a escolha, do tema eletivo, no presente ano, julgamos se ajustar aos tempos que correm, e em boa hora sinalizado, uma vez que é clarificadora, por identificar causas, que muitas vezes tem levado a alguma inércia, diríamos mesmo, a um comodismo sustentado, que muitas vezes atinge mesmo contornos elitistas, que se deve pugnar por os neutralizar.

Usando-se uma linguagem, muito prática e contemporânea no universo desportivo, nomeadamente no Futebol - quando uma equipa não apresenta os resultados desejados, só existe um caminho: substituir o treinador e correspondente equipa técnica – proteger e gerir a mudança…

Proponho-me assim, dissertar um pouco sobre a importância, de uma parte, que faz parte da nossa identidade, enquanto povo, do património cultural edificado e percursor nas ilhas, de outros que lhes haviam de seguir, mas que pela justeza mereça esta avaliação e correspondente distinção.

As Ermidas, enquadram-se e são de facto, os primeiros monumentos edificados das ilhas e de valor singular, porquanto nos identifica, nos caracteriza também quanto a nossa natureza de povo religioso, que aqui frutificou e que soube aos poucos criar as suas parcelas distintas – de pequenos aglomerados implantados junto a ribeiras, foi, sabiamente ocupando o território, quer na sua face costeira, quer embrenhando-se pelo interior, desbravando-o, instalando-se, e vindo com toda a naturalidade a criar comunidades distintas, hoje freguesias, vilas ou cidades, que importa preservar, porque alicerce, sustento e identidade. Nas ilhas será difícil não sermos confrontados com a sua presença.

Nessa abordagem confrontarei dois bons exemplos em matéria de acção e preservação – imóveis com entidade e propriedade privada, paradoxalmente, confrontados com 2 (dois) maus exemplos que urge corrigir, quando a pose, obrigação ou acção são tuteladas por entidades que compõem a orgânica governativa da sociedade.

Património Local: dois bons exemplos

Ermida de Jesus, Maria e José


Esta ermida encontra-se situada no Caminho de Cima de São Pedro, no lugar das Figueiras Pretas. Deverá ter sido edificada no ano de 1670, pelo Dr. Ambrósio Fagundes, Cónego e Tesoureiro da Sé Catedral de Angra do Heroísmo. Foi também um grande Teólogo e pregador. Mais tarde foi adquirida por Francisco Borges Carreiro, avô de Victor Manuel Teves Carreiro, casado com D. Zélia Nunes Carreiro, seus actuais proprietários. Com o Sismo de 1980, a Casa e Ermida foram drasticamente atingidas, assim como algumas das imagens, com especial relevo para uma escultura muito antiga em madeira, da Sagrada Família – patronos desta ermida. 

No dia 26 de Junho de 2011, seria reaberta, com celebração de Missa e coroação do Império das Bicas de Cabo Verde, que há 50 anos não se realizava. As obras de recuperação correram sob total empenho e custos a cargo dos seus proprietários.


 Sobre esta Ermida escreveu Pe. Alfredo Lucas. - Ermidas da Ilha Terceira - 1976: “…Encontra-se este templo numa pequena elevação contígua a uma casa de moradia e é de diminutas dimensões. Dentro está um altar com respectivo retábulo, onde se vê as imagens da Sagrada Família em miniatura. Do lado do Nascente junto do altar está uma ampla janela, e em baixo passa a estrada que conduz à Terra Chã. Tem uma janela de cada lado…/
…Acrescentamos ainda dizendo que esta ermida é toda lageada, e que tem uma ampla tribuna a seguir e por cima da porta de entrada.”

Devemos ainda sinalizar o facto de possuir dois distintos lances de escadas em lages aparelhadas de basalto, para se chegar à porta de entrada. No alçado principal e do lado direito um painel de 12 azulejos com a sua designação: Ermida Jesus Maria José e do lado esquerdo ao cimo do frontão um campanário.

 Imagens presentes: Primitiva Imagem da Sagrada Família – ao centro no altar (esta imagem ficou bastante destruída aquando do sismo, tendo sido objecto de boa intervenção de restauro a cargo do Mestre Gregório; Menino Jesus de Praga; Nossa Senhora de Fátima e os Três Pastorinhos; Cristo Menino; Cristo Eucarístico; Nossa Senhora de Lurdes (Madeira); Possui 2 Telas – Nossa Senhora e o Menino. O Altar e respectivo retábulo foi restaurado, em 2011, pelo Mestre restaurador – Carlos Pinheiro. Ainda na parede do altar, no lado direito, possui um nicho onde está presente um pequena imagem da Sagrada Família


 Situada na zona Norte da ilha, na carismática freguesia dos Biscoitos, pertence a Fernando Linhares Brum e Familia, fazendo parte de um notável conjunto de imóveis e vinhas, que constituem a base da Casa Agrícola Brum e Museu do Vinho, de muita visita. 
Sobre esta Ermida escreveu Pedro de Merelim. – Freguesias da Praia - 1982: “Remonta a mais de dois séculos a ermida ora privativa da residência Brum. Mandada edificar por Matias Silveira, em cumprimento de voto formulado, se não abrangessem suas propriedades os efeitos devastadores do fogo que em 1761 se manifestou por detrás dos picos gordos. Depois pertença de Mateus Borges do Canto e do comendador Ciríaco Tavares da Silva, que por sua vez, há sessenta anos vendeu todo o prédio à família Brum.
Manuel Gonçalves Toledo Brum, quando realizou vultosas obras no seu imóvel domiciliário, transferiu a ermida do lado Sul para o do Norte da casa e dentro de recinto murado.
…mediante permissão eclesiástica, firmada pelo bispo D. Guilherme Augusto da Cunha Guimarães. Procedeu-se á sua bênção solene em 14 de Maio de 1942.
…No pequenino templo, airoso de recorte, mimosamente cuidada, profusão de flores e verdes estimados, com púlpito e coro, ressalta um lustre de madeira, trabalho de requinte e paciência, de pronunciado valor estimativo.
Tradicionalmente aberta nos Domingos de Pentecostes e da Trindade, tem também registado a visita do Rancho de Romeiros de Nossa Senhora da Conceição de Angra do Heroísmo, fazendo suas orações, resgatadas que foram à seis anos.


Imagens presentes: Ao cimo do Altar, uma Coroa do Divino Espírito Santo; Nossa Senhora de Fátima – em cumprimento de voto da proprietária de então D. Rita de Cássia Linhares Toledo Brum; Sagrado Coração de Jesus – adquirida pelo proprietário de então Manuel Gonçalves Toledo Brum; Apóstolo São Pedro – oferta de uma Cidadã Luso-americana; Santa Rita de Cássia – dádiva de Francisca Augusta Borges de Meneses/ por intenção do nome da sua nora e benzida no dia do casamento desta; Menino Jesus de Praga e Nossa Senhora Menina – oferta de Casal devotos dos mesmos em cumprimento de promessa; na parede lateral direita do altar: Nossa Senhora de Lurdes; Na parede lateral um quadro a óleo do Espírito Santo.
As ermidas são efectivamente valores e uma mais-valia nos créditos do espólio cultural da Região, sendo que, aos exemplos aqui trazidos, se deva relevar a particular atenção com que os seus proprietários lhes têm dedicado. Para além de serem vistosos e identificadores permanentes da nossa paisagem.
Devemos assim sublinhar o facto de estarmos na presença efetiva de testemunhos centrais da nossa identidade, para além da sua vocação religiosa, que deveremos, valorizar, mas também enquanto valor real do património local, que é indiscutivelmente verdadeiro, por muito que custe a uma sociedade, laica, que, felizmente, começa a claudicar, na fraqueza da sua própria natureza.

(continua)
*Investigador

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